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Falta de apoio psicológico a pacientes oncológicos preocupa pesquisadores
19 de junho de 2017
Chicago — Tão importante quanto a busca de novos medicamentos e tecnologias de enfrentamento ao câncer é encontrar maneiras de ajudar o paciente a lidar com um diagnóstico devastador. Ainda que grande parte dos tumores malignos tenha bons prognósticos, essa é uma doença com impacto significativo sobre a qualidade de vida do paciente e dos familiares. No maior congresso oncológico mundial, organizado pela Associação Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco), os aspectos psicológicos foram tratados por estudos que apontaram estratégias eficazes no manejo do estresse provocado pela enfermidade.
Jane Beith, oncologista clínica da Universidade de Sydney, apresentou o resultado da fase II de uma intervenção psicológica, chamada Conquer Fear (Conquistando o medo), voltada a pacientes que já passaram pelo tratamento, mas temem a recorrência do câncer. “Por enquanto, faltam intervenções para aliviar esse sentimento”, diz.
O estudo coordenado por Beith incluiu 222 sobreviventes de câncer de mama nos estágios 1,2 e 3; câncer colorretal e melanoma, que afirmavam temer a recorrência do tumor. Eles foram divididos, aleatoriamente, para participar do Conquer Fear ou em um treinamento de relaxamento, que serviu como grupo de controle. Todos haviam terminado o tratamento entre dois meses a cinco anos antes de entrar na pesquisa, e estavam livres da doença. Os participantes do segundo grupo receberam sessões individuais de 60 minutos, ao longo de 10 semanas. Os demais entraram no grupo do Conquer Fear.
Trata-se de uma intervenção baseada em uma abordagem teórica desenvolvida pelos autores, que ainda não está pronta para uso clínico. Terapeutas treinados conduziram as sessões individuais, que duravam de 60 a 90 minutos, também por 10 semanas. O foco era a aceitação da incerteza sobre a recorrência do câncer, o ensino de estratégias de controle da preocupação, e a ajuda a se concentrar nos objetivos de vida, entre outros.
No fim, os pesquisadores avaliaram as respostas de um questionário de 42 itens sobre o medo da volta do câncer, que foi preenchido por ambos os grupos. A pontuação ia de 0 a 168, em ordem crescente de temor. O inquérito foi realizado logo após as intervenções, e três e seis meses depois. De acordo com Jane Beith, a redução do medo de recorrência foi significativamente maior entre aqueles que participaram do Conquer Fear (em média, 18,1 pontos a menos em relação ao primeiro questionário), comparado aos que fizeram as sessões de relaxamento (7,6 pontos a menos).
Tecnologia
Já Viviane Hess, oncologista clínica do Hospital Universitário de Basel, na Suíça, investigou um método de controle do estresse de pacientes que acabaram de receber o diagnóstico. “A maior parte das pessoas exibe níveis significativos de estresse quando são diagnosticadas, o que afeta não apenas a qualidade de vida, mas também pode impactar negativamente o curso da doença e a habilidade de o paciente tolerar o tratamento. Ainda assim, poucos recebem suporte psicológico”, afirma.
Hess conduziu uma intervenção, a Stream, de oito semanas, realizada pela internet, e desenvolvida por oncologistas e psicólogos. Ela é baseada em abordagens já conhecidas da terapia cognitiva, aplicadas pessoalmente, e cobre oito tópicos, como interação social, sentimentos, redução cognitiva do estresse e reação corporal ao esgotamento mental. Para cada ponto, os participantes receberam informações escritas e em áudio e, depois, completaram exercícios e questionários.
No estudo, 129 pacientes de câncer de mama, pulmão, ovário, gastrointestinal, melanoma e linfoma que haviam iniciado o tratamento médico em até 12 semanas, foram divididos em dois grupos. Parte recebeu a intervenção Stream e o restante não teve apoio psicológico. Depois de dois meses, os que participaram do programa haviam alcançado uma melhora significativa na qualidade de vida, avaliada em questionários sobre estresse e depressão.
Os pesquisadores usaram uma escala de 0 a 10, em ordem decrescente de satisfação (de 0 a 4 nível baixo de estresse, e de 5 a 10, nível alto). No fim, a pontuação daqueles que participaram do Stream caiu de 6 para 4, e continuou a mesma (6) no grupo de controle. “As novas tecnologias abrem oportunidades”, acredita Hess. “Com essas intervenções, podemos dar o tão importante suporte psicológico para os pacientes no conforto de suas salas de estar ou em outros locais com acesso à internet. E, mesmo o contato sendo on-line, parece que os laços terapêuticos entre pacientes e psicólogos são mantidos”, diz.
Palavra de especialista – Cuidado global
“Essas pesquisas vêm para confirmar ainda mais a importância do suporte psicológico e dos bons resultados que se obtém com as técnicas de intervenções psicológicas aplicadas. Quando atuamos em oncologia, sabemos que é imprescindível cuidar do paciente de forma global. Tudo que interfere na qualidade de vida do paciente oncológico está cada vez mais sendo estudado e valorizado. Tratar da doença, cuidar dos aspectos nutricionais, preocupações com a reabilitação pós-tratamento são alguns dos aspectos fundamentais para o paciente. Da mesma forma, é importante cuidar do emocional e do mundo interno do paciente. É maravilhoso constatar que cresce a cada ano, a cada evento da Asco, que é o maior congresso mundial de oncologia, o reconhecimento dos aspectos psicológicos e a importância dos estudos sobre as intervenções psicológicas que possam beneficiar ainda mais o paciente. É visível o crescimento da Psico-Oncologia e, acredito que as contribuições dessa especialidade só tendem a crescer e se fortalecer ainda mais. Graças aos profissionais da área e dos estudos realizados, a Psico-Oncologia tem obtido a valorização e reconhecimento tão necessários dentro da oncologia.”
Gláucia Flores, psicóloga oncológica do Instituto Aliança de Oncologia e membro da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia
Três perguntas
O que há de mais eficaz para ajudar o paciente de câncer a lidar com o diagnóstico?
O momento do diagnóstico de uma doença como o câncer é caracterizado normalmente por sentimentos que podem ocasionar grande desequilíbrio emocional e familiar, pois é um momento de grande impacto. As pessoas lidam com o câncer como lidam com muitos outros problemas na vida — cada uma à sua maneira. Contudo, se é possível sugerir uma forma eficaz de ajudar o paciente a enfrentar esse momento, seria buscar apoio, tanto da família, dos amigos, bem como ajuda profissional, e, nesse aspecto, o suporte psicológico pode contribuir significativamente. Obter informações corretas junto a equipe profissional, estar a par do que poderá acontecer pode aliviar a ansiedade, pois a pessoa terá maior sensação de controle. Em resumo: expressar e compartilhar as emoções e sentimentos, cuidar de si próprio; se possível e autorizado pelo médico, fazer alguma atividade física e também buscar alguma outra atividade que proporcione prazer e bem-estar são algumas dicas para enfrentar esse momento difícil. E lembrar que há vida além da doença e tratamento, e que é possível viver e realizar muitas das suas atividades cotidianas apesar de estar passando por um tratamento oncológico.
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A gravidade da doença influencia no nível de estresse?
Quando o paciente tem consciência da gravidade da doença, os sentimentos de angústia, medo e insegurança se intensificam, o que, consequentemente, acaba aumentando o nível de estresse. Por isso, a importância de também cuidar dos aspectos emocionais e psicológicos, pois eles também interferem na resposta e na aderência do paciente ao tratamento.
Mulheres e homens lidam de forma parecida?
Os sentimentos e angústias despertados frente ao adoecimento são, de certa forma, comuns as mulheres e homens. Porém, a forma de lidar e enfrentar a situação difere, devido, principalmente às imposições sociais que ainda existem na nossa cultura. Vivemos numa sociedade que ainda associa o cuidado com a saúde, consigo e o cuidado com o outro ao âmbito feminino, tanto que os serviços de saúde são pouco frequentados pelos homens. Dessa forma, os homens têm maior dificuldade de reconhecer e expressar seus sentimentos, o que acarreta maior dificuldade de se apropriar do suporte familiar, social ou mesmo psicológico. Já as mulheres expressam melhor suas emoções, porque, socialmente, é “permitido” e “aceitável” que a mulher demonstre mais suas fragilidades e exponha seus sentimentos. Essa é uma questão que merece atenção, pois, independentemente do gênero, há sofrimento, há angústias que precisam ser expressas, ouvidas, acolhidas e cuidadas. É preciso e necessário que o paciente, homem ou mulher, possa obter o adequado suporte para atravessar esse momento.
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